Não esperem um texto
motivacional, inspirador ou positivo. Não esperem palavras bonitas e cheias de
força. Se é disso que estão à espera, aconselho-vos a parar por aqui.
Há um mês atrás, por esta hora, eu já estava órfã de pai. Um mês e
continua a doer como se tivesse acontecido neste segundo. Os sentimentos
continuam inflamados com fúria e revolta.
O pai faleceu por causa de um cancro no estômago silencioso, traiçoeiro e
inoperável. Tudo aconteceu em pouco mais de um mês: o diagnóstico, o sofrimento
e a morte. Serei breve. O pai começou a sentir-se indisposto no início de
Agosto (2019). Ele sempre “vendeu” saúde, no início ninguém pensou tratar-se de
algo tão letal. Duas semanas indisposto e após alguns vómitos, o pai foi ao
médico – umas coisinhas leves para aliviar o mal-estar no estômago e nenhum
exame foi feito. Isto pode soar a uma crítica, mas neste ponto eu já não sei
quem culpar ou criticar – toda a gente e ninguém ao mesmo tempo. Eu percebo que
por um mal-estar numa pessoa que sempre teve saúde não é propriamente um sinal
de alarme, mas já eram duas semanas a sentir-se mal do estômago. A meio do mês
de Agosto o pai perdeu quase todo o seu sangue num compulsivo vómito que o
levou à urgência e onde soubemos que ele tinha cancro. Um belo de um cancro. O
pai ficou muito triste e sentiu-se culpado por não ter ido antes ao médico, os
manos e a mãe alimentaram algum tipo de esperança divina ou sobrenatural e eu?
Bem, eu já temia que não era apenas uma úlcera e apesar do meu cérebro científico
suspeitar há algum tempo que seria de facto cancro, o meu coração de filha
incitava-me a ter esperança que fosse algo menos sério. Seguiu-se uma enxurrada
de exames – aqui o SNS funcionou sem nada a apontar. Foram rápidos e o pai
sempre foi bem atendido e tratado com respeito e seriedade e, claro, prioridade
máxima. O cancro era terminal. Já espalhado e era enorme - metade do seu
estômago era cancro.
Os médicos que cuidaram do pai não foram 100% sinceros, mas foram 80%. O
meu irmão vive na Alemanha e desde o início de Setembro que os médicos pediram
à mãe que reunisse os filhos. Falámos por telefone com a médica que estava com
o caso do pai e ela disse-nos que seria uma questão de meses, não teríamos mais
tempo. O pai não pode fazer tratamentos, o sangue dele estava com níveis
assustadores, além de uma severa anemia. Chegaram as dores intensas no
estômago, a morfina não estava a ajudar e o pai foi novamente às urgências por
causa da dor. E pronto, tudo acabou aqui. A médica cuidou dele como se houvesse
esperança, mas não havia e ela acabou por pedir à mãe que chamasse os filhos pois
o pai não sobreviveria à noite. E não sobreviveu.
Não que haja tempo suficiente para que se possa aceitar uma sentença desta
força, mas um mês? Nós nem conseguimos respirar fundo e o pai já estava
sepultado. Estou dormente até hoje. Penso tantas vezes que é mentira, que isto
é uma espécie de realidade paralela. Como é que a minha mãe pode ser viúva? O
pai morreria de velhice, pelo menos na minha cabeça seria assim.
Sobre o pai… Ele viveu a vida como ele quis. Amigos, família, festa e o
seu copo de vinho nunca faltaram. O pai ajudava toda a gente e toda a gente
gostava dele. O meu pai amou-me a mim e aos meus irmãos em todos os momentos
das nossas vidas. O pai amava sem pedir nada em troca. O pai… o meu pai… o
nosso pai… o marido da minha mãe. O centro da nossa família, o centro das
atenções, o ex-combatente do Ultramar. Quem vai falar sem parar na noite de
Natal? Nunca mais será o mesmo. Nada nunca mais será igual. Tão injusto. Tanta
dor. Estamos destroçados, despedaçados, dilacerados. Eu não consigo olhar-me no
espelho e pensar que eu já não tenho o pai comigo. Dói demasiado. Isto não vai
cicatrizar nunca? Quanto tempo dura esta angústia?
O meu pai era tão amado. Quero deixar aqui o meu profundo agradecimento a
toda a nossa família (paterna e materna) que sempre estiveram lá para nos
manter em pé quando a única vontade era morrer também. Foram incansáveis. E não
apenas na morte do pai, durante o mês em que ele adoeceu estiveram sempre
presentes. Os meus tios, os meus primos, os amigos do pai, colegas de trabalho,
toda a gente mesmo – o pai nunca esteve sozinho nem na doença e nem na sua
morte.
Às pessoas que estiveram do meu lado presencialmente ou do outro lado do
telefone o meu obrigado não é suficiente. Eu tenho pessoas tão boas na minha
vida, elas trazem um pouco de luz à escuridão que me tem perseguido. Pessoas de
quem eu não esperava nada. E também há aquelas de quem eu esperava algo e não
obtive nada. O cancro não se pega, não tenham medo que não é contagioso.
A todos aqueles que enfrentam (ou enfrentaram) este monstro o meu abraço
sentido de força. O cancro atinge os “inatingíveis”.
Obrigada pelo vosso tempo.
JB