sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Quando vai parar de doer?


Não esperem um texto motivacional, inspirador ou positivo. Não esperem palavras bonitas e cheias de força. Se é disso que estão à espera, aconselho-vos a parar por aqui.

Há um mês atrás, por esta hora, eu já estava órfã de pai. Um mês e continua a doer como se tivesse acontecido neste segundo. Os sentimentos continuam inflamados com fúria e revolta.
O pai faleceu por causa de um cancro no estômago silencioso, traiçoeiro e inoperável. Tudo aconteceu em pouco mais de um mês: o diagnóstico, o sofrimento e a morte. Serei breve. O pai começou a sentir-se indisposto no início de Agosto (2019). Ele sempre “vendeu” saúde, no início ninguém pensou tratar-se de algo tão letal. Duas semanas indisposto e após alguns vómitos, o pai foi ao médico – umas coisinhas leves para aliviar o mal-estar no estômago e nenhum exame foi feito. Isto pode soar a uma crítica, mas neste ponto eu já não sei quem culpar ou criticar – toda a gente e ninguém ao mesmo tempo. Eu percebo que por um mal-estar numa pessoa que sempre teve saúde não é propriamente um sinal de alarme, mas já eram duas semanas a sentir-se mal do estômago. A meio do mês de Agosto o pai perdeu quase todo o seu sangue num compulsivo vómito que o levou à urgência e onde soubemos que ele tinha cancro. Um belo de um cancro. O pai ficou muito triste e sentiu-se culpado por não ter ido antes ao médico, os manos e a mãe alimentaram algum tipo de esperança divina ou sobrenatural e eu? Bem, eu já temia que não era apenas uma úlcera e apesar do meu cérebro científico suspeitar há algum tempo que seria de facto cancro, o meu coração de filha incitava-me a ter esperança que fosse algo menos sério. Seguiu-se uma enxurrada de exames – aqui o SNS funcionou sem nada a apontar. Foram rápidos e o pai sempre foi bem atendido e tratado com respeito e seriedade e, claro, prioridade máxima. O cancro era terminal. Já espalhado e era enorme - metade do seu estômago era cancro.
Os médicos que cuidaram do pai não foram 100% sinceros, mas foram 80%. O meu irmão vive na Alemanha e desde o início de Setembro que os médicos pediram à mãe que reunisse os filhos. Falámos por telefone com a médica que estava com o caso do pai e ela disse-nos que seria uma questão de meses, não teríamos mais tempo. O pai não pode fazer tratamentos, o sangue dele estava com níveis assustadores, além de uma severa anemia. Chegaram as dores intensas no estômago, a morfina não estava a ajudar e o pai foi novamente às urgências por causa da dor. E pronto, tudo acabou aqui. A médica cuidou dele como se houvesse esperança, mas não havia e ela acabou por pedir à mãe que chamasse os filhos pois o pai não sobreviveria à noite. E não sobreviveu.
Não que haja tempo suficiente para que se possa aceitar uma sentença desta força, mas um mês? Nós nem conseguimos respirar fundo e o pai já estava sepultado. Estou dormente até hoje. Penso tantas vezes que é mentira, que isto é uma espécie de realidade paralela. Como é que a minha mãe pode ser viúva? O pai morreria de velhice, pelo menos na minha cabeça seria assim.
Sobre o pai… Ele viveu a vida como ele quis. Amigos, família, festa e o seu copo de vinho nunca faltaram. O pai ajudava toda a gente e toda a gente gostava dele. O meu pai amou-me a mim e aos meus irmãos em todos os momentos das nossas vidas. O pai amava sem pedir nada em troca. O pai… o meu pai… o nosso pai… o marido da minha mãe. O centro da nossa família, o centro das atenções, o ex-combatente do Ultramar. Quem vai falar sem parar na noite de Natal? Nunca mais será o mesmo. Nada nunca mais será igual. Tão injusto. Tanta dor. Estamos destroçados, despedaçados, dilacerados. Eu não consigo olhar-me no espelho e pensar que eu já não tenho o pai comigo. Dói demasiado. Isto não vai cicatrizar nunca? Quanto tempo dura esta angústia?
O meu pai era tão amado. Quero deixar aqui o meu profundo agradecimento a toda a nossa família (paterna e materna) que sempre estiveram lá para nos manter em pé quando a única vontade era morrer também. Foram incansáveis. E não apenas na morte do pai, durante o mês em que ele adoeceu estiveram sempre presentes. Os meus tios, os meus primos, os amigos do pai, colegas de trabalho, toda a gente mesmo – o pai nunca esteve sozinho nem na doença e nem na sua morte.
Às pessoas que estiveram do meu lado presencialmente ou do outro lado do telefone o meu obrigado não é suficiente. Eu tenho pessoas tão boas na minha vida, elas trazem um pouco de luz à escuridão que me tem perseguido. Pessoas de quem eu não esperava nada. E também há aquelas de quem eu esperava algo e não obtive nada. O cancro não se pega, não tenham medo que não é contagioso.

A todos aqueles que enfrentam (ou enfrentaram) este monstro o meu abraço sentido de força. O cancro atinge os “inatingíveis”.
Obrigada pelo vosso tempo.


JB