Lembro-me
como se fosse hoje. A alegria de ter
conseguido! O contraste com a incerteza de
estar prestes a entrar num mundo
totalmente desconhecido, repleto também ele de caras estranhas. Senti-me
tão cheia de mim e, ao mesmo tempo, tão pequenina. O primeiro sentimento
provinha da sensação de missão cumprida
na concretização de um objetivo importante, o segundo da dimensão da aventura que me aguardava.
Eis
chegado, finalmente, o momento da matrícula, as primeiras aulas, as praxes… Ao ouvir a palavra engole-se a
seco… Especialmente depois da imensa exposição mediática. Se há coisa que a
comunicação social explora “bem” é a dimensão social e emocional de toda e qualquer tragédia,
levando-a a ter contornos monstruosamente ridículos. Por vezes, bem mais
monstruosos que o tema em si. E o assunto “Praxe” já assumiu esse papel de
quase “inimigo público número 1”.
Não é uma questão que reúna consenso. Por isso, surge hesitação no momento de
tecer considerações a respeito da mesma.
Eu fui praxada. E sobrevivi sem traumas (perdoem-me a ironia, tal é a exaustão e
leviandade com que é abordado o tópico por este dias). Por isso, julgo estar em
condições de poder afirmar que existem, de facto, praxes não ofensivas, seja do ponto de vista físico ou moral.
Verdade
que os tempos eram outros. Não menos verdade é também a constatação de que, em
qualquer hierarquia ou instituição, há sempre a “maçã podre”. Há sempre alguém que,
sendo por natureza uma “erva daninha”,
tenta elevar a praxe a uma espécie de vanglória pessoal, autopromovendo-se a
“amo” e senhor da sua “vítima”. Mas esta costumava ser a exceção (felizmente!).
Eramos
guiados pelos alunos mais velhos (não querendo entrar aqui em pormenores de
nomenclaturas), cantávamos, dançávamos, rostos pintados e fatiotas a
condizer. Havia nestas vivências uma espécie de temor inicial, pois
estávamos fora da nossa zona de conforto. Mas recordo que estávamos ali porque
queríamos e sabíamos que “não” não
era “sim” e tínhamos a liberdade de usar esse direito no momento
em o entendêssemos.
Esta
liberdade é sempre referida como algo muito subjetivo, aludindo-se à questão de
que, quem se declara anti-praxe
acaba excluído da convivência académica. Não tenho exemplos práticos disso e,
por essa razão, não me alongarei no assunto. Era-nos dito, admito, que toda a tradição académica se iniciava com a
praxe e que quem, fazendo uso do seu pleno direito, abdicasse da mesma, teria
de abdicar também de outras extensões (apenas) simbólicas dos costumes
universitários, como o traje ou a queima das fitas (o ato da queima em
si). Conheci pessoas que se declararam anti-praxe e nunca se consideraram
excluídas. E sempre as encontrei nas festividades académicas. No momento, tudo
isto tem um impacto diferente, é óbvio. Mas é sempre necessário ter o devido
distanciamento e relativizar a
importância das coisas,
valorizando o que é, de facto, importante e relegando para 2º plano aquilo que
não é.
Passadas
as praxes, as memórias destes acontecimentos (na altura) temidos depressa se
dissiparam e deram lugar a um saudável
convívio entre colegas de curso, apenas isso, companheiros de faculdade que passaram depois a reunir-se em
alegres patuscadas.
Alguns
anos mais tarde os papéis inverteram-se e eu, a outrora praxada, também praxei.
E nunca vi atentados à integridade
física ou moral dos novos alunos. Os rituais eram basicamente os mesmos que
nos haviam sido passados: a cantoria, as pinturas, os adereços catitas. Nunca
nos passou pela cabeça humilhar, de
forma alguma, aqueles colegas que estavam a iniciar o percurso que também nós
havíamos iniciado alguns anos antes.
Não
pretendo, contudo, entrar em falsas
demagogias. Acredito que haverá por aí muito boa gente de “mau fundo”, que se aproveita de um
momento de (suposta) diversão e confraternização para dar azo a perversões
pessoais. E isto sim, é errado, é grave, deve ser punido.
Tomar
a parte pelo todo não me parece,
todavia, acertado. Considerar que todas as praxes são humilhantes e violentas,
apenas porque uma amostra o é não me parece a interpretação mais adequada. Se o
membro de uma família responsável e cumpridora comete um delito, toda a família
deverá ser rotulada de criminosa apenas pelo grau de parentesco? Devemos (ou
podemos) utilizar esta premissa?
É
arriscado tecer opiniões generalistas sobre situações ou pessoas. Tudo e todos
têm o seu porquê e essências diferentes,
o que origina resultados e comportamentos também eles distintos.
Aos
abusadores, que sejam exemplar e adequadamente punidos. Aos abusados, que se indignem e denunciem. A todos os outros, que
se limitam a manter saudavelmente viva a convivência entre estudantes, que continuem
a zelar para que tudo corra sempre dentro dos limites da dignidade e do respeito
pelo outro.
Quanto
a mim, poderei apenas dizer, pedindo emprestadas as palavras de Bryan Adams, “those
were the best days of my life”! E nunca, no tempo que entretanto
passou, deixei de ter este sentimento, quando observo, com orgulho, o traje negro
que ainda hoje conservo imaculadamente arrumado no meu guarda-roupa.
Carpe Diem!
Texto Escrito por Ariel
B. L.
Foi por acaso que encontrei este blog e já o sigo. É favorito. Li alguns textos hoje e fiquei muito impressionada com a dinâmica deste blogue, que me parece ser de uma adepta do FCP, mas que dá muito espaço a outros temas. Parabéns pela iniciativa, não sou grande adepta de futebol, mas sou fã de grandes consciências sociais. Os textos que esta escritora/autora escreve para este blogue são extraordinários.
ResponderEliminarNão sei em que Universidade estudou, mas eu estou a terminar o curso em Coimbra. Nunca sofri abusos, mas vi acontecer. Abusos que não puseram em risco a vida de ninguém, obviamente, caso contrário tê-los-ia denunciado. Mas alguns excessos. Como refere no texto, há gente com má índole, que nem sabe porque está a praxar, quer humilhar ao invés de ser uma festa e nos divertirmos. Também eu praxei e os meus afilhados hoje são meus amigos. Não podemos deixar que a tragédia de Lisboa afete a nossa tradição, mas subscrevo totalmente que os abusos têm de ser denunciados.
Quando levamos uma boa formação de casa e uma personalidade formada tudo se torna mais fácil, é o meu cunho pessoal. Nunca permiti que os meus veteranos se excedessem nas praxes. Nunca. Há que saber dizer Não ou Sim, sem medo.
Parabéns pelo texto Ariel :)
Eu estudei em Aveiro e de facto há algumas brincadeiras parvas. Que podem ferir susceptibilidades, mas sabem que mais? Ali não há santinhos. Aparecem muito assustados nas imagens de horrores na SIC ou TVI e toda a gente fica com imensa pena das "crianças" que já vêm do secundário bem rodados!
ResponderEliminarEu sou mãe, com 2 filhos (um casal de gémeos) na faculdade de direito em Lisboa. Estão longe de casa, foram praxados, nos primeiros dias pareciam algo desmotivados, estava frio e andavam molhados e cansados. Julguei que o esforço de uma vida iria por água abaixo. Não tenho curso superior, portanto nunca fui praxada, nem sei o que se passa nas praxes. Mas sei que quando falei com eles ao telemóvel nos primeiros dias, lhes disse para serem fortes, não desistirem. Disse-lhes que não permitissem que lhes fizessem nada contra a sua vontade. Dei-lhes força, motivação, pois sei os filhos que tenho (claro que me escondem coisas, não sou parva), e saberia que só precisavam de um empurrão para não desistirem. Não creio que sejam as praxes, mas sim o estar longe de casa, dos papás, do conforto, das regalias, da boa comidinha, da roupa tratada, honestamente abandonar a zona de conforto e ser praxado deve ser realmente assustador. Hoje já estão no final do Mestrado e felizes. Sou uma mãe orgulhosa a dobrar com a graça de Deus. Este texto está muito escrito, é essencial falar destes assuntos e tirar os tabus. Bom fim de semana.
ResponderEliminardeve gostar que os seus filhos sofram abusos de gente medíocre. sou totalmente contra as praxes!
EliminarAcho que nem é digno de resposta. Bom dia.
EliminarO artigo relata uma história pessoal. Que, pelos vistos, foi muito bem sucedida. Mas cada vez menos isso acontece. Na minha opinião NÃO, EU NÃO CONCORDO COM AS PRAXES, com ou sem regras. Integrem os novos alunos de outra forma, imaginação não lhes faltam.
ResponderEliminarAlguém leu bem este parágrafo?
ResponderEliminar"Não pretendo, contudo, entrar em falsas demagogias. Acredito que haverá por aí muito boa gente de “mau fundo”, que se aproveita de um momento de (suposta) diversão e confraternização para dar azo a perversões pessoais. E isto sim, é errado, é grave, deve ser punido."
Grande texto. Parabéns. As praxes na medida certa nunca mataram ninguém.
Muitas das vezes são estes meninos que não sabem fazer outra coisa, que é gastar o dinheiro dos pais para procurar maneiras de infligir os mais novos, devem ser severamente punidos e sentir na pele aquilo que andam a fazer aos outros. Não concordo com as praxes. Uma parvoíce sem nexo.
ResponderEliminarNão posso deixar de discordar com alguns pontos que expõe. Tem todo o direito de não concordar com as praxes e acredito que existam alunos como os que descreve. No entanto, como diz a autora do texto, não se deve tomar a parte pelo todo, não se deve generalizar. Eu também passei pelas praxes (em ambos os papéis). E terminei o curso nos 5 anos devidos. E não fui para a faculdade com o objetivo de fazer mal a quem quer que fosse e muito menos gastar o dinheiro dos meus pais, que bastantes sacrifícios fizeram para me dar aquilo que nunca tiveram, um curso superior. Como vê, o hábito não faz o monge.
EliminarÉ a sua opinião, caro anónimo! Que nem se identifica. Deve com toda a certeza ser alguém que foi praxado e acha engraçado. Ainda bem que não é menino ou menina de andar a gastar o dinheiro dos pais. Mas isso é um caso raro. A generalidade já não é a sua, mas sim a que eu digo. Passar bem. Cumprimentos.
EliminarEu fui praxada, praxei e não preciso de apoio psicológico por isso. Não me senti ameaça, rebaixada ou amedrontada com o que quer que seja, de facto até gostei pois durante as minhas praxes diverti-me com os meus colegas, com os veteranos e supremos que me receberam, a mim e aos meus colegas, e nos fizeram adorar o curso e a cidade. Regras? Sim tive que as cumprir, mas onde é que não temos? E brincar? Levar as coisas na brincadeira? Não? Será que a crise nos está a levar até a vontade de nos divertirmos? E não me digam que só quem se diverte nas praxes são os mais velhos, pois é mentira. Quem o diz nunca foi praxado ou não sabe brincar. Agora se me disserem que as opiniões estão a ser formadas com base na morte absurda de 6 jovens, aí consigo compreender mas não aceitar. E sobre este caso mediático, na minha opinião, aquilo não é e nunca será praxe, pois essa nunca seria realizada a km da universidade. Neste momento, enquanto ex-universitária, só gostava que este mistério se clarificasse para que sobre este assunto uma pedra fosse colocada.
ResponderEliminarBem verdade, subscrevo!
EliminarParabéns à escritora deste texto e à autora do blogue. Sou Portista, identifiquei-me de imediato. Excelente trabalho. Esta temática está muito bem abordada aqui, leve, como deve ser, mas também realista. Fui praxado, praxei, sou formado e feliz. Tudo tem que ver, como a escritora diz, com o bom senso (boa educação ou a falta dela) dos supremos e dos caloiros também. O que aconteceu no Meco foi trágico, porque os próprios estudantes quiseram ser praxados para subir de hierarquia numa Comissão de Praxe. Não foram obrigados a nada, gostavam muito da praxe, defendiam-na. Foi um acidente muito infeliz, não usem isso como pretexto agora para fazer dos supremos uns "bichos" (salvo seja a ironia) de 7 cabeças.
ResponderEliminarexiste muitas maneiras de praxar sem colocar em risco a vida nem a dignidade da pessoa, gostei do texto :)
ResponderEliminarMuito bom texto. E o título define tudo "Há praxe e praxe..." Isto, para os entendidos, diz tudo!
ResponderEliminarPartilho da mesma vivência da escritora. Praxe q,b. :)
ResponderEliminarhá "uma linha que separa" aquilo que é ou pode ser considerado como praxe académica daquilo que é um acto ilícito, coberto de falta de responsabilidade.Se os jovens do Meco alugaram a casa para ir passar o fim-de-semana, responsabilizar a praxe é tão válido como responsabilizar a Universidade! Bom texto :)
ResponderEliminarÉ o paradoxo, o que estão contra a Praxe por ser humilhação são os primeiros a insultar e a humilhar quem nela participa...
ResponderEliminarAs praxes andam na ordem do dia. Pena que só se fale do assunto quando há notícias sobre as mesmas. Notícias negativas claro! Porque o "tuga" adora uma boa tragédia. Pessoalmente não gosto muito de praxes, submeti-me a poucas, dada a minha dificuldade em aceitar ordens. Mas nunca me senti abusada, nem nada do género. Acho que os "nerds" não gostam muito de praxes, e a malta "cool" gosta. À parte disso, adorei este texto, escrito com enorme sensatez.
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