terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Lobos ou cordeiros?

Sentados no nosso canto, dedicamo-nos por vezes à “árdua” tarefa de observar os comportamentos de quem cruza o nosso caminho. Olhamos para os rostos (anónimos ou não) dos transeuntes e perguntamos-nos o que irá na cabeça de cada um. Sentir-se-ão felizes? Estarão satisfeitos com a vida que levam? Que sonhos terão? De repente, um turbilhão de perguntas e cenários vêm-nos à mente. Cada ser humano encerra em si um “mundo”. Há emoções, ambições, sonhos, povoados de lugares secretos e aventuras empolgantes. E que interessante é poder observá-los em silêncio.

E, pelo meio, damos por nós umas quantas vezes com o ouvido na conversa alheia, não porque procuremos informação que não nos diz respeito, mas porque quem o faz se mostra despudorado em partilhá-la. E assim, de modo quase surpreendente, fica descoberta a nossa capacidade de representação. Já dizia Shakespeare que “o mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres meros atores”. De facto, nada mais acertado e intemporal. Todos temos os nossos papéis e cabe-nos a tarefa  de os representar da melhor forma que soubermos. Mas até que ponto devemos ou podemos fazê-lo?

Há certos desempenhos de que nos vamos dando conta nos bastidores deste palco que é  vida que dão, no mínimo, que pensar. A facilidade com que alguns “atores” vão, num ápice, da “pancadinha” nas costas à “facadinha” da praxe ( e não são as académicas, isso daria outros tantos parágrafos)... Impressionante! Ou porque o fulano tal se veste mal, ou porque tem a mania que é “chico-esperto”, ou porque fala pouco e é antipático, vamos criando uma lista interminável que culmina, grosso modo, com o julgamento. E como neste julgamento somos o juiz, o problema nunca somos nós, é o outro. Há uma deslealdade latente. Quer seja  para com o estranho por quem passamos ou o colega de trabalho que cumprimentamos apenas para sermos politicamente corretos. Por vezes até o amigo de muitos anos vai a “tribunal”.

Agiremos assim, de forma dissimulada, procurando algum tipo de inexplicável regozijo ou proteção? Ou limitamo-nos a desempenhar o nosso papel, tentando parecer o que não somos, vestindo ao lobo a pele do cordeiro?

De onde virá esta necessidade de julgar? Será por acharmos que estamos também sempre na berlinda? Seja como for, o respeito pelo espaço e liberdade do próximo parece estar em vias de extinção. Hoje vemos as pessoas como trampolins, como um meio para alcançar um fim. E os fins podem ser os mais variados. O primeiro pensamento parece ser sempre “ que benefícios poderei tirar da interação com este ou aquele?

A par da real e tão debatida crise socioeconómica emerge uma outra, com contornos porventura mais perniciosos e duradouros, a crise de valores, de princípios. Porque se a primeira se resolve com ajuda ou dinheiro, já no caso desta última não há auxílio “externo” que nos valha.

Teremos a capacidade de “sair” de nós próprios e avaliar a forma como tratamos os outros? Conseguiremos fechar a porta às tentações e manter-nos fiéis às nossas crenças? Será demasiado arriscado querer ser verdadeiro ou procurar quem o seja? Ou será este um “bem” escasso?



No fim de contas, poderá alguém ser, na realidade, o que não é?  E há muitos lobos por aí, acreditem.

Texto Escrito por Ariel B. L.

12 comentários:

  1. Que bela maneira de se começar o dia. Esta escritora entende-nos a todos na perfeição. Escolha de palavras perfeita. Somos mesmo uns meros atores. Muito bem escrito.

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  2. o respeito foi-se há mto tempo, julgamentos sempre os iremos fazer, é já algo natural.Gostei da parte em que é referido que o fazemos seja com um desconhecido ou com um amigo de longa data, e isto sim é muito grave! gostei deste artigo, parabéns a quem escreveu.

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  3. somos juízes da vida alheia, oxalá fossemos da nossa!!!

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  4. gostei muito deste blog, destes textos, também sou portista e gosto destas iniciativas da autora (portista) convidar outras pessoas a escrever, espaço livre. gostei muito deste artigo e julgo (lá está o julgamento) que somos todos lobos e cordeiros, infelizmente :(

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  5. Infelizmente identifico-me com este texto brilhante... sendo uma aparência, julgando os outros :(

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  6. Wolves and lambs! My portuguese friend translated this text. This is amazing. Who wrote it? Congrats!

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  7. Que mundo estranho de se viver :S gostei muito deste segundo texto seu também.

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  8. ha quem viva sem julgar os outros, mas esses sao vistos como os "sem personalidade", a malta "fora da lei". Quem não julga é marginalizado... já pensaram nisso?

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  9. seremos sempre seres mentirosos e julgadores?

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  10. É por tudo isto que foi dito neste excelente texto que viver cansa e muito. Parabéns à autora!

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  11. Este texto deixou-me sem palavras! Mas que bem!!

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  12. Um belo, belo texto. Faz-nos pensar do que realmente somos feitos e do que realmente somos capazes, para o bom e para o mau. Excelente momento de leitura. Destaco esta frase "A par da real e tão debatida crise socioeconómica emerge uma outra, com contornos porventura mais perniciosos e duradouros, a crise de valores, de princípios." Brilhante.

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